O autor carioca Everardo P.
Guimarães, em seu livro “O Que é Etnocentrismo”, tendo sua primeira edição
publicada em 1984, tenta “traduzir” ou interpretar de forma bastante didática e
funcional esse termo adotado para descrever algo comum entre as sociedades: o
preconceito.
O que seria a palavra etnocentrismo
do que apenas o sobrenome, ou sinônimo, de outra palavra que também se encaixa
nas mesmas definições que a caracterizam? Quando observamos outras sociedades,
outras culturas, outras organizações sociais com um olhar etnocêntrico,
utilizando-se de uma maneira evolucionista, linear, hierarquizada e tendo o
“outro” como ser menos civilizado e mais “selvagem”, estamos apenas usando as
lentes do preconceito para observá-lo.
O preconceito, como a própria
palavra auto-define, é ter um conceito predeterminado por questões que sequer
conhecemos. Os estudiosos do século XVI não estavam preocupados em estudar
profundamente as sociedades ou comunidades que eles consideravam abaixo nessa
hierarquização social. Normalmente, eles só se preocupavam em tentar
compreender “o outro” quando havia um interesse maior que motivasse tal
pesquisa. Seja, por exemplo, para explorar a mão de obra dos nativos pré-
colombianos, sua catequização ou simplesmente explorar suas riquezas naturais.
O etnocentrismo é constantemente
abordado na ficção. O filme “Avatar”, por exemplo, na minha humilde opinião,
pode ser um exemplo bem típico: “eu”, o ser civilizado e superior, estabeleço
contato com “o outro”, lhe ensino minha cultura, que acredito servir para lhes
tirar do estado selvagem, aprendo seus hábitos, mas tudo motivado por um
interesse maior, que é o de explorar seus valiosos e raros recursos naturais.
Este termo, segundo o próprio
autor, só começa a ser “exorcizado” no século XX, mesmo que de forma tímida, pois
até hoje este “fantasma” nos assombra. Porém, o campo da antropologia tem um
papel fundamental para tentarmos compreender o “outro” não com uma visão de
melhores ou piores que nós mesmos, apenas diferentes, com suas próprias
crenças, valores, princípios éticos e políticos. Somos tão estranhos a eles,
que eles são para nós.
Lembro-me, no início do curso,
quando o professor Raphael Almeida, nos trouxe para a aula de Antropologia o
texto de Horace Miner “As práticas Mágicas entre os Naciremas”, como a turma
ficou perplexa ao ler uma transcrição de comportamentos tão estranhos a nós, no
entanto, um dia nos chega a revelação de que aquelas práticas tão estranhas e
assustadoras se tratava de um diálogo descrevendo nossos próprios hábitos, como
se fossem descritos com base numa observação do “outro” sobre nosso próprio
comportamento. Da mesma forma que avaliamos, julgamos e criticamos os hábitos e
costumes do “outro”, ele também faz o mesmo sobre nós, somos “alienígenas” em
sua própria concepção de mundo.
Este termo perde um pouco de sua
força quando percebemos que tentar classificar uma determinada sociedade com um
olhar evolucionista, linear e distante é errônea, pois as culturas são
multilineares e estão constantemente em ebulição, se hibridizando, se transformando,
se adaptando dependendo de seus próprios fatores, seus próprios reagentes
sociais. O Pensamento etnocêntrico apenas favorece seus próprios defensores,
que sem ele têm dificuldade de visualizar um mundo plural, multicultural e que
não existam etnias superiores ou inferiores. Franz Boas, segundo o autor, nos
deixa mais perguntas do que respostas, levanta mais hipóteses do que realmente
afirma conceitos. Mas defendia que o “outro” também tem direito de escrever sua
própria história, sem que necessariamente ela se cruze com a nossa.
Enfim, concordando com o autor, o grande
salto rumo a ruptura do pensamento etnocêntrico é dado por Malinowski,
abandonando o conforto dos gabinetes e mergulhando no mundo do “outro” através
do Trabalho de Campo. Se aprofundando na cultura e no espaço geográfico em que
vivem, porém, segundo ele , não raramente, “a antropologia contraria sua
vocação de preservar a experiência da diversidade, quando a própria matéria é
forjada na ótica do “eu” tentando compreender o “outro””, mantendo a visão
hierarquizada. Enquanto o olhar preconceituoso sobre o outro existir, haverá
etnocentrismo e vice versa. Quando o Homem for capaz de ver seu próximo,
respeitar sua cultura e seus ritos estaremos, enfim, num mundo ideal.
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