Nos dias 26, 27 e 28 e junho
de 2015, na FEUDUC, foi realizado o 1° Seminário de Estudos da Escravidão na Baixada
Fluminense: Centros e Periferias da escravidão no Rio de Janeiro. Encontro que
contou com a presença de vários especialistas que em muito vem contribuindo
para a historiografia do tema.
O evento iniciou-se na
biblioteca da instituição, com a apresentação cultural “As vozes da África na
baixada Fluminense”, com o artista “multiperformático” Macedo Griot que recitou
um poema. Logo após, o membro da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Rio
de Janeiro e do Movimento Negro Unificado Nilson Viana Cesário, que falou sobre
os objetivos da comissão, nas buscas das justificativas me esclarecimentos
sobre a escravidão negra no Brasil e possíveis políticas compensatórias. E
convida os participantes para a próxima reunião, dia 7 de julho na sede da
OAB-RJ. Considera que a Revolta da Chibata como o real marco final da
escravidão no Brasil, e não a lei da abolição.
A mesa é composta pela
professora Ercília, chefe do Departamento de História da FEUDUC, Manuela
Pedrosa , Professora da UFRJ e Jonis
Freire, professor da UFF que formam a Mesa redonda “ Escravidão,
Historiografias e Periferias – Rio de Janeiro, Século XVIII-XIX, tendo como
mediador o professor Nielson Beserra.
A Professora Ercília inicia
dando as boas vindas aos participantes do evento. A professora Manuela Pedrosa,
inicia declarando que sua participação no evento é uma extensão de sua luta e
que está em greve. Diz que apesar de não ser uma especialista na área, tem seu
estudo voltado para relacionar a história dos escravos com o desenvolvimento da
agricultura na Baixada Fluminense. Faz um intercâmbio entre as relações da
História Social do campesinato, dos homens livres pobres com a historiografia
da escravidão. Tem por objetivo introduzir a nova história dos escravos no
Brasil, dentro de um movimento mais amplo da história social, que vem marcado
por novas ondas, principalmente a partir de 1980 ( Século XX e inicio do XXI)
fala sobre os resultados de sua pesquisa de doutorado, sobre tudo no aspecto da
escravidão. Propõe uma agenda de desafios para os novos pesquisadores. Fala
sobre alguns autores que contribuíram para o avanço das pesquisas nessa área,
entre eles Ciro Flamariom Cardoso, Com o inicio de programas de capacitação e o
estímulo de novos pesquisadores, com a implementação de uma nova metodologia (quantitativa / serial), com um
viéis mais econômico, inspirados pela experiência francesa que deu inicio a uma
série de produções acadêmicas sobre o tema e a Baixada Fluminense entra nesse
círculo de pesquisas a partir da década de 1990.
Apesar de vários desses
trabalhos contribuírem para que se entendesse a Baixada Fluminense, eles não
são exclusivos sobre o tema, mas mostram o território num recorte geográfico a
fim de testar uma nova metodologia. Abordam a novas problemáticas da Baixada
Fluminense da década de 1990, processos como o papel dos homens livres e pobres
dentro de uma economia escravista, o papel do mercado interno, quem são os
escravos que não trabalham na plantação escravista e quem são os homens que
ganham dinheiro numa economia que não está voltada para o mercado
agroexportador, mas para o mercado interno (Engenhos de farinha...). O escravo deixa de ser apenas uma vítima de
uma situação econômica de exploração para traçar sua própria história. Cita uma
extensa bibliografia de pesquisadores do tema. Propõe que nos aprofundemos no
direito de propriedade dos escravos, que abarca também os direitos de
propriedade de terras no Brasil, sobretudo, os direitos dos pobres. As
intrínsecas relações entre os senhores e os escravos, a partir do convívio
social, religioso, político. O avanço tecnológico torna mais acessível a
produção historiográfica mundial. Intensificam as trocas intelectuais.
Influência como a micro história italiana, a nova história social francesa, nova
história social portuguesa, e a produção intelectual das antigas colônias
americanas, africanas e até asiática já chega ao Brasil. Seu estudo é focado na
Freguesia de Campo Grande, sua conclusão vem de encontro a dos pesquisadores da
escravidão da Baixada Fluminense.
O professore Jonis Freire
tem como objeto de pesquisa a cidade de Macaé, na região norte fluminense,
dentro do recorte temporal de 1798 a 1858. Tendo como fontes primárias as
fontes paroquiais e os registros de batismo de escravos, e também, registros
policiais sobre as ações repressoras de desembarques de cativos nessa região,
sendo intensificados no período pós 1831, com o desembarque de negros ilegais
após a proibição do tráfico. Freguesia de Nossa Senhora das Neves, a segunda mais
importante freguesia de Macaé, que produzia cana-de-açúcar, mandioca e legumes.
A policia intensifica a repressão ao tráfico ilegal de escravos, contando
inclusive com o apoio de ex-traficantes.
A região recebe esses escravos ilegais (mais de 21 mil indivíduos) que
vão para o vale do Paraíba, Minas gerais e São Paulo. Advindos principalmente
da região centro africana. O registro de batismos se intensifica no período. Uma
sociedade escravista onde política e escravidão estão intimamente ligadas, com
o objetivo de abastecer o mercado externo, principalmente com o café. Grandes
personagens políticas acobertava essa ilegalidade do tráfico.
No segundo dia, a primeira
mesa redonda do dia sob o tema “ Escravidão, Trabalho e Família no Recôncavo do
Rio de Janeiro, coordenada pelo professore Moiséis Peixoto (UFRJ / FEUDUC,
composta pela professora Denise Demétrio (UFF) ( A Família escrava em debate:
administração, hierarquia e poder no Recôncavo da Guanabara), Ana Paula
Rodrigues ( UFRRJ) ( Os Corrêa Vasques: engenhos, casa e família. Freguesia de
Jacutinga, século XVIII) e o professore Rubens Machado (UFF) ( Luta pela terra
e escravidão na Baixada Fluminense – final do século XIX e no pós abolição).
Ana Paula tem sua pesquisa
utilizando principalmente registros paroquiais de batismo, óbito e casamento,
no século XVIII na freguesia de Jacutinga. Trabalhou inicialmente em sua
monografia sobre os óbitos de Iguaçu, não se limitando a concepção de morte,
mas também a hierarquia por meio dela. Já no mestrado, inclui Jacutinga e
amplia sua pesquisa aos senhores de engenho e suas relações senhoriais. Trabalha
especificamente a Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. E, a partir daí,
analisa a família Corrêa Vasques e seus engenhos (Maxambomba e Cachoeira). Trabalhando principalmente com a mandioca,
utilizando-se seus rios para o escoamento da produção. Essa família pertencia a
elite local, mas não estava isolada politicamente. Cita Gilberto Freire, que
considera a família como um fator colonizador. Descendentes da família Gonçalo
Corrêa. E cita sua árvore genealógica
senhorial na administração dos engenhos do século XVII. O foco de sua pesquisa
é a manutenção desses engenhos por essa família durante gerações, suas
estratégias para manter esse patrimônio (inclusive, para evitar a dispersão
desse patrimônio, as filhas eram colocadas na carreira eclesiástica,
tornando-se freiras, assim não se casavam e não precisariam doar o dote). Essa
família possui muita influência na região.
Denise inicia suas pesquisas na
Freguesia de Jacutinga, século XVII, utilizando-se de registros paroquiais. Foca
nas famílias escravas. No mestrado faz uma análise comparativa entre a
escravidão nos engenhos de Jacutinga e da escravidão nos engenhos dos jesuítas.
No seu doutorado, foca num personagem que lhe intrigou, Artur de Sá e Meneses
(que tinha uma intima relação com os Corrêa Vasques), que foi Governador do Rio
de Janeiro (1697 – 1702), era proprietário de terras, engenhos e escravos.
Durante seu governo, precisou se ausentar por diversas vezes, deixando Martins
Corrêa Vasques como Governador interino. Mesmo após seu governo, Artur de Sá e
Meneses continua aparecendo nos registros, mostrando que seu engenho continuava
funcionando. A Freguesia de Jacutinga não tinha alvará régio (havia dois tipos
de fundação de Freguesias, as oficiais, mantidas pelo governo, e, as não
oficiais mantidas pela elite local). Essas alianças entre a elite e o estado
atendiam basicamente aos interesses econômicos e políticos dessas famílias.
Rubens falou sobre os novos
segmentos sociais do século XIX e XX,
onde se tem uma elite da terra que não estão interessados em possuir
escravos ou produzir, então, acabam loteando as terras a rendeiros. Pois, a
essa elite, é mais importante permanecerem perto da corte, próximos aos seus
círculos sociais e políticos, apenas se beneficiando do que essas terras lhe
rendem. Usa como fontes os registros de terras a partir de 1850, que mostra uma
concentração de terras nas mãos de poucas famílias na região de Jacutinga e
Marapicu. Essas terras estão ocupadas por arrendatários, sitiantes ou pessoas
com laços de parentescos com os proprietários. Usa também o Almanaque lement (“as páginas amarelas do século XIX”) (
edições de 1848 – 1880) para perceber esses novos segmentos sociais. A grande produção da região, é de café e
mandioca. Que, com as transmissões das terras, geravam conflitos entre os novos
donos com os antigos moradores arrendatários.
A segunda mesa redonda do
dia, sobre “Escravidão, Tráfico e Experiências de Liberdade no Recôncavo da
Guanabara”, tendo como mediadora Daniela Carvalho Cavalheiro (UNICAMP /
FEUDUC), sendo composta pelos professores Alinie Silvestre Moreira (UNICAMP)
que fala sobre “Um viveiro de futuros operários: a formação dos africanos
livres e de suas famílias a serviço do estado”, , Gilciano Meneses (UFF) com o
tema “ Os escravos barqueiros do Rio Macacu (Itaboraí – Século XIX” e Eduardo Possidônio (Universo). Fala sobre “ A escravidão, centro africana na
freguesia de Santo Antônio de Jacuntinga”.
Alinie pesquisa sobre a
Fábrica de Pólvora da Estrela, com o uso de fontes a partir dos arquivos
militares. Esse fábrica existe até hoje (EMBEL), empresa de capital misto
(privado e público). Sua pesquisa tem o recorte temporal de 1831 – 1865.
Trabalha pesquisando a atuação dos “africanos livres”, termo utilizado para
identificar africanos que advindos do tráfico ilegal de escravos, mas acabavam
trabalhando para o estado por um período de 14 anos, até conquistar a real
liberdade. Esse período era considerado uma fase de “domesticação” do africano
boçal, para que durante esse período conquistassem a civilização. Fala sobre a
lei contra o tráfico de escravos, adotada para “agradar” os ingleses (lei pra
inglês ver). Esses africanos eram colocados, em parte, para trabalharem nessa
Fábrica de Pólvora da Estrela. Depois de terem sido capturados, e entregues a
casa de correção. Eles abasteciam a mão de obra pública, em obras do governo.
Tais informações são advindas de fontes como o próprio Ministério do Exército,
no Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do Exército que contam com uma extensa
coleção de arquivos ricos em informações. Essa fábrica antes estava localizada
na antiga Freguesia da lagoa (Jardim Botânico), com a expansão do núcleo urbano
a partir de 1820, foi realocada para uma área mais distante, devido ao perigo
que oferecia a região. Esses escravos da nação, com a transição da mão de obra
escrava para a assalariada, devido sua experiência na produção da pólvora,
foram aproveitados pela indústria, e, mesmo alforriados, começam a trabalhar em
suas funções de forma assalariada.
Gilciano faz uma exposição
sobre sua pesquisa, que se baseia nos estudos da região do vale do Macacu
(Itaboraí), nas mediações do Rio Macacu, e as relações da cultura escravista
fora da produção agrário-exportador e focando suas funções regionais. Pesquisa sobre
os escravos conventuais (clero), com registros paroquiais de batismo. Fala
sobre os escravos de ganho e os escravos de aluguel, os portos da região, a
construção das ferrovias (que a partir de 1852 o governo proibia que se
utilizasse mão de obra escrava nas construções das ferrovias). Os escravos
barqueiros eram escravos de ganho. O escravo de ganho era aquele escravo que
trabalhava durante uma jornada, e depois pagava ao seu dono, enquanto o escravo
de aluguel é o escravo que o dono aluga para outra pessoa ou agência. Esses
escravos de ganho tinham muita autonomia, e essa autonomia acabava por
desmotivar fugas. A função de escravo barqueiro também agrega valor na hora da
venda desse escravo.
Eduardo fala sobre a
religiosidade dos povos africanos, sobre a ausência de produções sobre o tema,
já que a religiosidade africana
centro-ocidental sempre foi muito
desprezada, até mesmo por pesquisadores, seu recorte temporal é de 1870 a 1900,
utilizando como fontes jornais da época e registros policiais. Além de relatos
de viajantes e processos movidos contra esses líderes religiosos na época,
registrados ainda como estelionato, já que o termo “feitiçaria” não constava no
código penal. Na Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga nesse período a
perseguição a religiosidade africana era intensa. Aparece até um documento, uma
carta solicitando a proibição do uso do tambor nas festas escravas, acreditando
que essas reuniões podem provocar rebeldia dos negros. O Candomblé é associado
a práticas Nagôs (no Rio de Janeiro era chamado de “casa de dar fortuna”). Nei
Lopes define candomblé como culto religioso de origem nagô, festa de origem
banta. Ieda Passos define Candomblé como sendo de origem etmo banto, que
significa louvar, cantar, invocar, já na sétima edição do dicionário Antônio
Moraes e Silva, que contextualiza e pesquisa origens das palavras, em 1890
definia como batuque de negro na prática da feitiçaria. Fala sobre o
sincretismo religioso, e afirma não acreditar que seja utilizado para impor
santos católicos e camuflar divindades africanas. A imagem católica era
acrescentada a sua crença. Santo Antônio e São Miguel são os santos mais
aceitos na crença religiosa dos africanos.
Fala sobre a descrição dos
objetos apreendidos, e principalmente a recorrência da palavra “maripanço”
(imagens de divindades africanas), cita que o museu nacional ainda tem uma
grande quantidade de marimpanços apreendidos em seu acervo, e cita a Exposição
Kumbukumbu realizada em Duque de Caxias que trouxe alguns desses objetos.
Dentre as diversas oficinas metodológicas
e de pesquisa oferecidas pelo evento (Digitalização e organização de acervos;
organização de bancos de dados; guia de fontes da escravidão na Baixada Fluminense;
inventário da cultura afro brasileira em Duque de Caxias e africanos livres da
baixada Fluminense – anúncios de jornais), optei por participar da oficina
dinamizada pelos monitores Eduardo Possidônio e Juliana (5° Período de História
FEUDUC). Africanos livres da baixada Fluminense – anúncios de jornais. Os dinamizadores iniciam dizendo a definição
de negros livres, que eram africanos chegados ao Brasil no período pós 1831
(lei que proibia o tráfico de escravos), e que não poderiam mais ser chamados
de escravos, mas, deveriam trabalhar por um período de 14 anos. Propõe que
usemos como ferramenta de pesquisa a Biblioteca Digital do Brasil, onde já
conta com um acervo rico em documentos já digitalizados. A partir dai, podemos
criar nosso próprio banco de dados partir desses arquivos. Encontramos diversos
anúncios de fugas de africanos, com uma riqueza de detalhes ao descrever suas
características. Esses anúncios, inclusive, eram usados por pessoas que
atraídos pela recompensa, iniciava-se
uma verdadeira caçada aos foragidos. Recomenda a leitura do livro de Gilberto
Freire “ Os Escravos nos Anúncios de Jornais”. Cita um caso curioso, de
“Virgulino”, 17 anos, que aparece várias vezes, demostrando que ele
constantemente fugia, mas logo era recapturado. Aparecem também notícias
policiais de batidas e apreensões, é citado um caso de um “feiticeiro” que fora
apreendido próximo ao atual paço imperial, e, a própria notícia te abre
possibilidades de aprofundamento da pesquisa, por exemplo, uma notícia que diz
que os indivíduos foram presos, pode-se recorrer aos arquivos do sistema de
detenção da época e fazer um cruzamento das informações, com ainda mais
detalhamento do caso e dos indivíduos, não se limitando apenas a notícia em si.
E se inicia um exercício de análise das fontes, com matérias de jornais e texto
complementar “Pai contra Mãe”, de Machado de Assis, que descreve com riqueza de
detalhes, o cotidiano das redondezas do império, com a presença dos escravos, a
partir da personagem Cândido Neves, um caçador de recompensa, que apesar de não
ser uma função nobre, era uma função exercida por pessoas que não tinham
aptidões para outros trabalhos. Que recortava os anúncios de jornais sobre
negros foragidos e ia em busca de suas recompensas. Conclui-se a oficina com
alguns dos participantes identificando o que foi encontrado em cada notícia.