Seja Bem vindo!!

Esse é um espaço onde tenho o compromisso e a obrigação de colocar minhas opiniões para aprofundar os mais diversos assuntos, tais como análise político-eleitoral, resenhas de livros e filmes, entre outros, porque apenas com o debate, e a exposição de opiniões contrárias o ser humano pode chegar a suas próprias conclusões. aqui meu lema é: " Não escrevo o que querem ler, mas o que deve ser lido". tenha uma boa leitura, e fique a vontade para comentar.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

DEBATE “ÁGUA NA METRÓPOLE”: A HISTÓRIA DO ACESSO E DO USO DA ÁGUA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO



      Aos dezenove dias  do mês de junho de dois mil e quinze, foi realizado nas dependências da FEUDUC (apesar de contratempos organizacionais), o Debate “Água na Metrópole”: A História do Acesso e do uso da Água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, como palestrante o Doutorando em História Econômica da USP, o  Historiador Ambiental Gilmar Machado de Almeida.
         O convidado é um pesquisador das origens hídricas no Estado do Rio de Janeiro. Apresenta o quadro histórico da domesticação da água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, compara com as mais diversas civilizações que precisaram domar a água para seu uso, tanto para suas culturas quanto para uso doméstico. Historicamente, o homem sempre se viu na necessidade de se domesticar o meio ambiente, fez isso com alguns animais, plantas (agricultura) e com a água, desenvolvendo meios tanto de consumo quanto uma logística de captação e distribuição.
       Desde sua graduação já pesquisava sobre o uso da água no Rio de Janeiro, inicialmente, desde o período da colônia (em sua graduação), no período de 1850 a 1889 no mestrado, e agora no doutorado, faz um recorte temporal entre 1889 e 1834, quando, em 1834 que é criado o primeiro código do uso de água no Brasil, o chamado “Código da Água”.
         O tipo e forma de como essa água chegavam ao consumidor final evoluiu com o passar dos anos. No início, ainda no período colonial, se explorava a mão-de-obra escava, tanto de índios e posteriormente dos africanos,  através de rios e poços, a partir de 1724 é construído o sistema de chafarizes. O primeiro sistema de abastecimento de água do Rio era um reservatório no morro do Corcovado, onde a água descia por gravidade através dos hoje conhecidos como Arcos da Lapa, e chegava ao chafariz no Largo da Carioca, isso se deu até a década de 30. A instalação de hidrômetros em 1898 marca a cobrança oficial da água.
Abaixo, como está hoje organizado o sistema de captação e distribuição de água atualmente.


Estação de tratamento Guandu-RJ


         O uso da água em nosso cotidiano é do mais variado: doméstico, industrial, sagrado etc. A partir da segunda revolução industrial, o recurso hídrico torna-se ainda mais importante na produção industrial, por exemplo, para cada litro de gasolina, utiliza-se 11 litros de água. A água está presente em nosso planeta desde muito antes da chegada do homem, mas é exatamente essa intervenção humana em seu manejo que prejudica a parte terrestre do seu ciclo.
     




    
        A crise hídrica é passada pelos meios de comunicação e legitimada pelo poder público ( o que lhe isenta de ingerência) como que apenas a natureza (falta de chuvas) e o uso doméstico (desperdício / uso inconsciente e irresponsável) seriam suas principais causas, onde, na verdade, o consumo doméstico é onde se menos recebe água. A falta d’água é constantemente explorada como plataforma político eleitoreira. Outra questão, é a transposição do Rio São Francisco  que beneficiaria mais o setor industrial e agrícola do que o consumo doméstico propriamente dito.
      A empresa que administra a distribuição de água no estado do Rio de Janeiro é a CEDAE, no entanto, ela própria desconhece o real tamanho desse sistema de abastecimento, já que pouco se produziu de conhecimento da rede e de toda sua infraestrutura.
          Revela que existe o paradigma da água, onde ela é classificada como pura,
 tratada ou reutilizada.

      “Quem trabalha e mata a fome, não come o pão de ninguém, mas quem ganha mais do que come, sempre come o pão de alguém” – Personagem Tião Galinha, interpretado pelo ator Osmar Prado na novela Renascer (1993). Trazendo essa frase para nosso tema, ficaria assim: “Quem trabalha e mata a sede, não bebe a água de ninguém, mas quem ganha mais do que consome, sempre bebe a água de alguém”. Para ilustrar essa frase, é mostrada uma foto com três placas, duas sobre a implementação da empresa Nestlé, no Tinguá, e, logo ao lado, uma placa de “vende-se”, oferecendo um sítio logo ao lado do empreendimento comercial que ficara sem água.





domingo, 12 de julho de 2015

1° SEMINÁRIO DE ESTUDOS DA ESCRAVIDÃO NA BAIXADA FLUMINENSE: CENTROS E PERIFERIAS DA ESCRAVIDÃO NO RIO DE JANEIRO.


      Nos dias 26, 27 e 28 e junho de 2015, na FEUDUC, foi realizado o 1° Seminário de Estudos da Escravidão na Baixada Fluminense: Centros e Periferias da escravidão no Rio de Janeiro. Encontro que contou com a presença de vários especialistas que em muito vem contribuindo para a historiografia do tema.
      O evento iniciou-se na biblioteca da instituição, com a apresentação cultural “As vozes da África na baixada Fluminense”, com o artista “multiperformático” Macedo Griot que recitou um poema. Logo após, o membro da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Rio de Janeiro e do Movimento Negro Unificado Nilson Viana Cesário, que falou sobre os objetivos da comissão, nas buscas das justificativas me esclarecimentos sobre a escravidão negra no Brasil e possíveis políticas compensatórias. E convida os participantes para a próxima reunião, dia 7 de julho na sede da OAB-RJ. Considera que a Revolta da Chibata como o real marco final da escravidão no Brasil, e não a lei da abolição.
      A mesa é composta pela professora Ercília, chefe do Departamento de História da FEUDUC, Manuela Pedrosa , Professora da UFRJ  e Jonis Freire, professor da UFF que formam a Mesa redonda “ Escravidão, Historiografias e Periferias – Rio de Janeiro, Século XVIII-XIX, tendo como mediador o professor Nielson Beserra.
      A Professora Ercília inicia dando as boas vindas aos participantes do evento. A professora Manuela Pedrosa, inicia declarando que sua participação no evento é uma extensão de sua luta e que está em greve. Diz que apesar de não ser uma especialista na área, tem seu estudo voltado para relacionar a história dos escravos com o desenvolvimento da agricultura na Baixada Fluminense. Faz um intercâmbio entre as relações da História Social do campesinato, dos homens livres pobres com a historiografia da escravidão. Tem por objetivo introduzir a nova história dos escravos no Brasil, dentro de um movimento mais amplo da história social, que vem marcado por novas ondas, principalmente a partir de 1980 ( Século XX e inicio do XXI) fala sobre os resultados de sua pesquisa de doutorado, sobre tudo no aspecto da escravidão. Propõe uma agenda de desafios para os novos pesquisadores. Fala sobre alguns autores que contribuíram para o avanço das pesquisas nessa área, entre eles Ciro Flamariom Cardoso, Com o inicio de programas de capacitação e o estímulo de novos pesquisadores, com a implementação de uma nova  metodologia (quantitativa / serial), com um viéis mais econômico, inspirados pela experiência francesa que deu inicio a uma série de produções acadêmicas sobre o tema e a Baixada Fluminense entra nesse círculo de pesquisas a partir da década de 1990.
      Apesar de vários desses trabalhos contribuírem para que se entendesse a Baixada Fluminense, eles não são exclusivos sobre o tema, mas mostram o território num recorte geográfico a fim de testar uma nova metodologia. Abordam a novas problemáticas da Baixada Fluminense da década de 1990, processos como o papel dos homens livres e pobres dentro de uma economia escravista, o papel do mercado interno, quem são os escravos que não trabalham na plantação escravista e quem são os homens que ganham dinheiro numa economia que não está voltada para o mercado agroexportador, mas para o mercado interno (Engenhos de farinha...).  O escravo deixa de ser apenas uma vítima de uma situação econômica de exploração para traçar sua própria história. Cita uma extensa bibliografia de pesquisadores do tema. Propõe que nos aprofundemos no direito de propriedade dos escravos, que abarca também os direitos de propriedade de terras no Brasil, sobretudo, os direitos dos pobres. As intrínsecas relações entre os senhores e os escravos, a partir do convívio social, religioso, político. O avanço tecnológico torna mais acessível a produção historiográfica mundial. Intensificam as trocas intelectuais. Influência como a micro história italiana, a nova história social francesa, nova história social portuguesa, e a produção intelectual das antigas colônias americanas, africanas e até asiática já chega ao Brasil. Seu estudo é focado na Freguesia de Campo Grande, sua conclusão vem de encontro a dos pesquisadores da escravidão da Baixada Fluminense.
      O professore Jonis Freire tem como objeto de pesquisa a cidade de Macaé, na região norte fluminense, dentro do recorte temporal de 1798 a 1858. Tendo como fontes primárias as fontes paroquiais e os registros de batismo de escravos, e também, registros policiais sobre as ações repressoras de desembarques de cativos nessa região, sendo intensificados no período pós 1831, com o desembarque de negros ilegais após a proibição do tráfico. Freguesia de Nossa Senhora das Neves, a segunda mais importante freguesia de Macaé, que produzia cana-de-açúcar, mandioca e legumes. A policia intensifica a repressão ao tráfico ilegal de escravos, contando inclusive com o apoio de ex-traficantes.  A região recebe esses escravos ilegais (mais de 21 mil indivíduos) que vão para o vale do Paraíba, Minas gerais e São Paulo. Advindos principalmente da região centro africana. O registro de batismos se intensifica no período. Uma sociedade escravista onde política e escravidão estão intimamente ligadas, com o objetivo de abastecer o mercado externo, principalmente com o café. Grandes personagens políticas acobertava essa ilegalidade do tráfico.
      No segundo dia, a primeira mesa redonda do dia sob o tema “ Escravidão, Trabalho e Família no Recôncavo do Rio de Janeiro, coordenada pelo professore Moiséis Peixoto (UFRJ / FEUDUC, composta pela professora Denise Demétrio (UFF) ( A Família escrava em debate: administração, hierarquia e poder no Recôncavo da Guanabara), Ana Paula Rodrigues ( UFRRJ) ( Os Corrêa Vasques: engenhos, casa e família. Freguesia de Jacutinga, século XVIII) e o professore Rubens Machado (UFF) ( Luta pela terra e escravidão na Baixada Fluminense – final do século XIX e no pós abolição).
      Ana Paula tem sua pesquisa utilizando principalmente registros paroquiais de batismo, óbito e casamento, no século XVIII na freguesia de Jacutinga. Trabalhou inicialmente em sua monografia sobre os óbitos de Iguaçu, não se limitando a concepção de morte, mas também a hierarquia por meio dela. Já no mestrado, inclui Jacutinga e amplia sua pesquisa aos senhores de engenho e suas relações senhoriais. Trabalha especificamente a Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. E, a partir daí, analisa a família Corrêa Vasques e seus engenhos (Maxambomba e Cachoeira).  Trabalhando principalmente com a mandioca, utilizando-se seus rios para o escoamento da produção. Essa família pertencia a elite local, mas não estava isolada politicamente. Cita Gilberto Freire, que considera a família como um fator colonizador. Descendentes da família Gonçalo Corrêa.  E cita sua árvore genealógica senhorial na administração dos engenhos do século XVII. O foco de sua pesquisa é a manutenção desses engenhos por essa família durante gerações, suas estratégias para manter esse patrimônio (inclusive, para evitar a dispersão desse patrimônio, as filhas eram colocadas na carreira eclesiástica, tornando-se freiras, assim não se casavam e não precisariam doar o dote). Essa família possui muita influência na região.
   Denise inicia suas pesquisas na Freguesia de Jacutinga, século XVII, utilizando-se de registros paroquiais. Foca nas famílias escravas. No mestrado faz uma análise comparativa entre a escravidão nos engenhos de Jacutinga e da escravidão nos engenhos dos jesuítas. No seu doutorado, foca num personagem que lhe intrigou, Artur de Sá e Meneses (que tinha uma intima relação com os Corrêa Vasques), que foi Governador do Rio de Janeiro (1697 – 1702), era proprietário de terras, engenhos e escravos. Durante seu governo, precisou se ausentar por diversas vezes, deixando Martins Corrêa Vasques como Governador interino. Mesmo após seu governo, Artur de Sá e Meneses continua aparecendo nos registros, mostrando que seu engenho continuava funcionando. A Freguesia de Jacutinga não tinha alvará régio (havia dois tipos de fundação de Freguesias, as oficiais, mantidas pelo governo, e, as não oficiais mantidas pela elite local). Essas alianças entre a elite e o estado atendiam basicamente aos interesses econômicos e políticos dessas famílias.
      Rubens falou sobre os novos segmentos sociais do século XIX e XX,  onde se tem uma elite da terra que não estão interessados em possuir escravos ou produzir, então, acabam loteando as terras a rendeiros. Pois, a essa elite, é mais importante permanecerem perto da corte, próximos aos seus círculos sociais e políticos, apenas se beneficiando do que essas terras lhe rendem. Usa como fontes os registros de terras a partir de 1850, que mostra uma concentração de terras nas mãos de poucas famílias na região de Jacutinga e Marapicu. Essas terras estão ocupadas por arrendatários, sitiantes ou pessoas com laços de parentescos com os proprietários. Usa também o Almanaque lement  (“as páginas amarelas do século XIX”) ( edições de 1848 – 1880) para perceber esses novos segmentos sociais.  A grande produção da região, é de café e mandioca. Que, com as transmissões das terras, geravam conflitos entre os novos donos com os antigos moradores arrendatários.
      A segunda mesa redonda do dia, sobre “Escravidão, Tráfico e Experiências de Liberdade no Recôncavo da Guanabara”, tendo como mediadora Daniela Carvalho Cavalheiro (UNICAMP / FEUDUC), sendo composta pelos professores Alinie Silvestre Moreira (UNICAMP) que fala sobre “Um viveiro de futuros operários: a formação dos africanos livres e de suas famílias a serviço do estado”, , Gilciano Meneses (UFF) com o tema “ Os escravos barqueiros do Rio Macacu (Itaboraí – Século XIX”  e Eduardo Possidônio (Universo).  Fala sobre “ A escravidão, centro africana na freguesia de Santo Antônio de Jacuntinga”.
      Alinie pesquisa sobre a Fábrica de Pólvora da Estrela, com o uso de fontes a partir dos arquivos militares. Esse fábrica existe até hoje (EMBEL), empresa de capital misto (privado e público). Sua pesquisa tem o recorte temporal de 1831 – 1865. Trabalha pesquisando a atuação dos “africanos livres”, termo utilizado para identificar africanos que advindos do tráfico ilegal de escravos, mas acabavam trabalhando para o estado por um período de 14 anos, até conquistar a real liberdade. Esse período era considerado uma fase de “domesticação” do africano boçal, para que durante esse período conquistassem a civilização. Fala sobre a lei contra o tráfico de escravos, adotada para “agradar” os ingleses (lei pra inglês ver). Esses africanos eram colocados, em parte, para trabalharem nessa Fábrica de Pólvora da Estrela. Depois de terem sido capturados, e entregues a casa de correção. Eles abasteciam a mão de obra pública, em obras do governo. Tais informações são advindas de fontes como o próprio Ministério do Exército, no Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do Exército que contam com uma extensa coleção de arquivos ricos em informações. Essa fábrica antes estava localizada na antiga Freguesia da lagoa (Jardim Botânico), com a expansão do núcleo urbano a partir de 1820, foi realocada para uma área mais distante, devido ao perigo que oferecia a região. Esses escravos da nação, com a transição da mão de obra escrava para a assalariada, devido sua experiência na produção da pólvora, foram aproveitados pela indústria, e, mesmo alforriados, começam a trabalhar em suas funções de forma assalariada.
      Gilciano faz uma exposição sobre sua pesquisa, que se baseia nos estudos da região do vale do Macacu (Itaboraí), nas mediações do Rio Macacu, e as relações da cultura escravista fora da produção agrário-exportador e focando suas funções regionais. Pesquisa sobre os escravos conventuais (clero), com registros paroquiais de batismo. Fala sobre os escravos de ganho e os escravos de aluguel, os portos da região, a construção das ferrovias (que a partir de 1852 o governo proibia que se utilizasse mão de obra escrava nas construções das ferrovias). Os escravos barqueiros eram escravos de ganho. O escravo de ganho era aquele escravo que trabalhava durante uma jornada, e depois pagava ao seu dono, enquanto o escravo de aluguel é o escravo que o dono aluga para outra pessoa ou agência. Esses escravos de ganho tinham muita autonomia, e essa autonomia acabava por desmotivar fugas. A função de escravo barqueiro também agrega valor na hora da venda desse escravo.
      Eduardo fala sobre a religiosidade dos povos africanos, sobre a ausência de produções sobre o tema, já que a religiosidade  africana centro-ocidental  sempre foi muito desprezada, até mesmo por pesquisadores, seu recorte temporal é de 1870 a 1900, utilizando como fontes jornais da época e registros policiais. Além de relatos de viajantes e processos movidos contra esses líderes religiosos na época, registrados ainda como estelionato, já que o termo “feitiçaria” não constava no código penal. Na Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga nesse período a perseguição a religiosidade africana era intensa. Aparece até um documento, uma carta solicitando a proibição do uso do tambor nas festas escravas, acreditando que essas reuniões podem provocar rebeldia dos negros. O Candomblé é associado a práticas Nagôs (no Rio de Janeiro era chamado de “casa de dar fortuna”). Nei Lopes define candomblé como culto religioso de origem nagô, festa de origem banta. Ieda Passos define Candomblé como sendo de origem etmo banto, que significa louvar, cantar, invocar, já na sétima edição do dicionário Antônio Moraes e Silva, que contextualiza e pesquisa origens das palavras, em 1890 definia como batuque de negro na prática da feitiçaria. Fala sobre o sincretismo religioso, e afirma não acreditar que seja utilizado para impor santos católicos e camuflar divindades africanas. A imagem católica era acrescentada a sua crença. Santo Antônio e São Miguel são os santos mais aceitos na crença religiosa dos africanos.   Fala sobre a descrição dos objetos apreendidos, e principalmente a recorrência da palavra “maripanço” (imagens de divindades africanas), cita que o museu nacional ainda tem uma grande quantidade de marimpanços apreendidos em seu acervo, e cita a Exposição Kumbukumbu realizada em Duque de Caxias que trouxe alguns desses objetos.
      Dentre as diversas oficinas metodológicas e de pesquisa oferecidas pelo evento (Digitalização e organização de acervos; organização de bancos de dados; guia de fontes da escravidão na Baixada Fluminense; inventário da cultura afro brasileira em Duque de Caxias e africanos livres da baixada Fluminense – anúncios de jornais), optei por participar da oficina dinamizada pelos monitores Eduardo Possidônio e Juliana (5° Período de História FEUDUC). Africanos livres da baixada Fluminense – anúncios de jornais.  Os dinamizadores iniciam dizendo a definição de negros livres, que eram africanos chegados ao Brasil no período pós 1831 (lei que proibia o tráfico de escravos), e que não poderiam mais ser chamados de escravos, mas, deveriam trabalhar por um período de 14 anos. Propõe que usemos como ferramenta de pesquisa a Biblioteca Digital do Brasil, onde já conta com um acervo rico em documentos já digitalizados. A partir dai, podemos criar nosso próprio banco de dados partir desses arquivos. Encontramos diversos anúncios de fugas de africanos, com uma riqueza de detalhes ao descrever suas características. Esses anúncios, inclusive, eram usados por pessoas que atraídos  pela recompensa, iniciava-se uma verdadeira caçada aos foragidos.  Recomenda a leitura do livro de Gilberto Freire “ Os Escravos nos Anúncios de Jornais”. Cita um caso curioso, de “Virgulino”, 17 anos, que aparece várias vezes, demostrando que ele constantemente fugia, mas logo era recapturado. Aparecem também notícias policiais de batidas e apreensões, é citado um caso de um “feiticeiro” que fora apreendido próximo ao atual paço imperial, e, a própria notícia te abre possibilidades de aprofundamento da pesquisa, por exemplo, uma notícia que diz que os indivíduos foram presos, pode-se recorrer aos arquivos do sistema de detenção da época e fazer um cruzamento das informações, com ainda mais detalhamento do caso e dos indivíduos, não se limitando apenas a notícia em si. E se inicia um exercício de análise das fontes, com matérias de jornais e texto complementar “Pai contra Mãe”, de Machado de Assis, que descreve com riqueza de detalhes, o cotidiano das redondezas do império, com a presença dos escravos, a partir da personagem Cândido Neves, um caçador de recompensa, que apesar de não ser uma função nobre, era uma função exercida por pessoas que não tinham aptidões para outros trabalhos. Que recortava os anúncios de jornais sobre negros foragidos e ia em busca de suas recompensas. Conclui-se a oficina com alguns dos participantes identificando o que foi encontrado em cada notícia.

RECRIAR ÁFRICA: CAPÍTULO 10 E CONCLUSÃO.

CULTURA, PARENTESCO E RELIGIÃO NO MUNDO AFRO-PORTUGUÊS (1441-1770) – JAMES H. SWEET – RECRIAR ÁFRICA, LUGAR DE HISTÓRIA.
CAPÍTULO 10 E CONCLUSÃO.
O IMPACTO DAS CRENÇAS RELIGIOSAS AFRICANAS NO CATOLICISMO BRASILEIRO




      O autor fala nesse capítulo final de sua obra que apesar de várias tentativas de conversão do povo africano ao catolicismo, a cultura religiosa africana não fora arrancada do cotidiano do povo escravizado, pelo contrário, se tornou uma arma contra a opressão, contra a própria escravidão e, até mesmo, contribuindo para a formação de uma identidade genuinamente brasileira, a partir das misturas entre as diversas culturas. O próprio europeu acabava adotando elementos da crença africana.
      Talvez, essa interação fosse tão intensa, devido os cultos africanos atenderem de forma mais rápida as preces que os católicos faziam. Essas práticas acabavam sendo mais reais mais palpáveis.
      Dessa forma, católicos acabavam recorrendo a rituais africanos, até que o Concílio de Trento (1545 – 1563 / 19° concílio), a igreja tornou-se menos tolerante a essas práticas. Retomado as ideias de “selvajaria”, “paganismo”, rotulando os cultos africanos como obras do Diabo.
      Esse Concílio convocado pelo Papa Paulo III, tinha como objetivo assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica, realizado na cidade de Trento, na província autônoma de Trento, região do tirol italiano. Se estendeu por vários anos devido uma sequência de interrupções devido a divergências políticas e religiosas.
Abaixo, imagem retratando sessão do Concílio de Trento.
      Apesar das diversas tentativas de erradicação das crenças africanas, a igreja consegue criminalizar, marginalizar e exorcizar suas práticas, disseminando uma opinião generalizada sobre seu primitivismo.
      Uma guerra “santa” entre os europeus cristãos, a serviço de deus, e os africanos primitivos e pagãos a serviço do diabo. Essa era a ótica estabelecida.
Abaixo, Africanos no Brasil dançando um batuque, por Debret.

      O autor cita alguns exemplos de como  a religiosidade e crenças cristãs muitas vezes se misturavam aos rituais africanos, uma miscigenação religiosa que era abolida por líderes religiosos cristãos , mas estava presente no dia-a-dia da população.
      Essa relação acabava inclusive invertendo a hierarquia  social a partir dessas necessidades religiosas. Estabelecendo, inclusive,  relação de submissão de um senhor de escravos ao seu cativo, em troca de favores religiosos, rituais e feitiços, dando-lhe presentes como frutas e fumo.
“O poder religioso africano funcionava como uma das formas mais poderosas de resistência a escravatura e á opressão racial.”

     
      Quanto mais as autoridades eclesiásticas combatiam o poder da religião africana, mais a legitimavam, reconhecendo-a como poderosa.
      Isso causava uma ruptura dentro do clero, entre os clérigos que queria por em prática o Concílio de Trento, considerando os rituais africanos como obras demoníacas, e os que defendiam uma flexibilização devido a realidade brasileira e que rituais africanos muitas vezes seriam mais eficazes.
      Houve ainda padres que chegaram a “africanizar” rituais cristãos ( como o padre Alberto), que “adaptou” o exorcismo com elementos de rituais africanos, mas fora julgado pelo tribunal de inquisição, que o proibiu de praticar ritos que não seguissem a risca os dogmas da cristandade.
“Ao naturalizar certos princípios religiosos africanos, os padres católicos foram capazes de responder as transformações nas necessidades dos seus paroquianos. E apesar de terem sido africanizados, os princípios fundamentais permaneceram inalterados.”

      A realidade no Brasil colônia forçou tanto o catolicismo quanto as religiões de raízes africanas a promoverem um intercâmbio de conhecimentos, uma releitura de suas práticas, enfim, uma reinvenção de si mesma que beneficiou ambos os lados.
      O autor nos trouxe até aqui uma análise geral das práticas culturais e religiosas dos africanos no mundo colonial católico do século XVII ao XVIII. Como as práticas religiosas da África, encontrando resistência do catolicismo, mas mesmo assim, serviu de alicerce para as fundações religiosas e multiculturais que somada as práticas europeias, originou uma autêntica identidade cultural brasileira.
“Os rituais mais comuns dos escravos brasileiros dos séculos XVII e XVIII eram provavelmente de origem Mbundo.”

      O autor chega a chamar de “resistência psicológica”, a névoa de paranoia que encobria as mentes dos brancos, que temiam a religião africana, por entender que através de feitiços e magia, sua colheita, seu gado, ou até mesmo sua saúde e vida poderiam estar em perigo.
      Por fim, esse medo do catolicismo e as diversas tentativas de extermínio, só conseguiram legitimar ainda mais o poder das crenças africanas e por muitas vezes, padres acabavam incorporado em seus sermões, elementos da cultura africana, para, que dessa forma, não perdessem tantos fiéis para esse culto “primitivo”, pagão” ou do “diabo”.

BIBLIOGRAFIA
SWEET, James H
Cultura, Parentesco e Religião no Mundo Afro-Português (1441-1770), Lugar de História, Capítulo 10 e Conclusão. Páginas 255-271.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

DITADURA: democrática ou Militar, as ferramentas são as mesmas.


    Aos treze dias de dezembro, do ano de dois mil e quatorze, no Museu Ciência e Vida, localizado no Centro do Município de Duque de Caxias, deu-se início às onze horas a Primeira Mostra de Cinema, promovido pelo Cineclube Ágora, em rememoração aos cinquenta anos de ditadura militar no Brasil.
      O primeiro filme, do produtor Felipe Santiago, sob o título “Pegaram o Cara Certo”, tem como personagem Bruno Ferreira Teles, um jovem da Baixada Fluminense que em julho de 2013 saiu de casa com o objetivo claro de fazer um documentário sobre a vinda do Papa Francisco ao Estado do Rio de Janeiro, mas ele não imaginava a guinada que seu roteiro tomaria naquele dia.
      E 22 de julho de 2013, o Brasil estava ansioso pela chegada do papa Francisco ao Brasil, sua primeira viagem oficial após ser declarado papa. Mas, a mídia brasileira não tinha apenas essa notícia em suas grades, havia também uma revolta popular devido ao aumento abusivo das passagens, e os protestos cada vez mais violentos.
      Bruno saiu de casa equipado para filmar seu documentário papal, se preparou com alguns equipamentos de segurança improvisados e já saiu de casa com a câmera ligada, gravando todo seu percurso até a manifestação contra a vinda do Papa que estava ocorrendo.
      Bruno, tentou gravar tanto a opinião dos manifestantes quanto a dos católicos ali presentes, mas, um grande cordão de isolamento formado por policiais separavam suas duas fontes de pesquisa.
      No calor das manifestações, e impedido de acessar a parte onde os católicos estavam Bruno acaba aderindo a manifestação, inclusive gritando palavras de ordem contra os agentes do estado.
      Bruno acaba detido, e seu equipamento de cineasta é confundido como sendo um equipamento perigoso, inclusive alguns agentes afirmam que sua mochila estaria repleta de bombas de fabricação caseira.
      Diversos meios de comunicação noticiaram sua prisão, mas, alguns dias depois se retrataram devido sua inocência. Inclusive alguns dos agentes que o prenderam declararam que não havia nenhum artefato com Bruno. Mas já era tarde, Bruno fora preso, humilhado pela mídia que o condenava antes mesmo do julgamento, fora preso enquanto preso político, o que lhe garantiu pelo menos uma sela especial, separada dos demais detentos.
      Bruno afirma que o fator determinante de sua inocência e libertação foram os milhares de desconhecidos, que compartilharam nas redes sociais diversos vídeos que o inocentavam.
     No segundo Filme, “Dossiê Jango”, de Paulo Henrique, fala sobre a trajetória política do presidente que foi deposto pela ditadura militar e exilado no Uruguai, onde faleceu, supostamente de um infarto, mas evidências apontam um envenenamento.
      Apesar de contraditória, o governo de João Goulart (Jango) construiu uma sólida política externa. No entanto, haviam forças políticas norte americanas intervindo diretamente na política brasileira, seja através do financiamento de campanha de políticos e a própria imprensa, submissos aos EUA, seja  através da própria Igreja, com eclesiásticos promovendo uma forte campanha anti-Jango.
      As mortes num curto espaço de tempo (apenas 9 meses), dos principais nomes da democratização do Brasil (Juscelino Kubitschek em 22 de agosto de 1976; João Belchior Marques Goulart em 6 de dezembro de 1976; Carlos Lacerda em 21 de maio de 1977), motivaram o surgimento de diversas teorias de que essas mortes foram orquestradas por interesses antidemocráticos.
      Pesquisas mais aprofundadas citam as operações Condor ( Uma operação para eliminar inimigos do governo norte americano, dentro e fora de suas fronteiras), Andrea ( operação que envolvia um laboratório químico com o objetivo de criar 10 tipos de super venenos), e, a operação Escorpião (Grupo de inteligência uruguaia com o objetivo de assassinar jango.
      Alguns dos entrevistados aplaudem a iniciativa do Governo brasileiro na formação da Comissão da verdade, mas propõem que ela seja estendida além de nossas fronteiras, começando pelo Uruguai e Argentina, numa cooperação mútua para esclarecer os mistérios dos anos da ditadura, com intercâmbio de informações e documentos.
      O professor Antônio Augusto faz algumas considerações finais, enfatizando que o papel do historiador é muito importante, mas devemos nos ater a alcançar a veracidade dos fatos. Cita que no documentário sobre a vida de Jango, existem historiadores que defendem e os que contradizem a teoria de seu envenenamento, cabe ao historiador se municiar das fontes e ouvir o que elas têm a dizer.
      Enfim, nos 50 anos de ditadura militar, muitas páginas ainda permanecem em branco, diversos capítulos ainda não foram finalizados. Cabe a Comissão da Verdade preencher as lacunas para que as memórias dos mortos seja enfim respeitadas, e que os culpados sejam levados a justiça, só assim suas famílias encontraram conforto.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Pegadas da Escravidão na Pequena África.


(Este é o relatório do estudo de campo com o tema “Entre a vida e a morte: o Rio de Janeiro dos africanos”, que fez parte do curso de formação continuada “Patrimônio, Memória e Cultura Afro Brasileira na Baixada Fluminense, realizado em 24 de maio de 2014.)

      Ministrado pelos professores Nielson Bezerra  e Cláudio Honorato, o estudo de campo que fez parte do curso de formação continuada “Patrimônio, Memória e Cultura Afro Brasileira na Baixada Fluminense teve por objetivo seguir as pegadas deixadas pelos africanos cativos e escravizados, desde o desembarque no porto do Rio de Janeiro ( Praça XV) até seu descanso desonroso no cemitério dos pretos novos, onde seus corpos amontoados eram queimados, descartados como lixo. Onde, atualmente funciona o Instituto dos Pretos Novos, uma forma de preservar a memória daqueles que tanto sofreram os males da escravidão.
      Ainda no Paço Imperial (Praça XV), tivemos uma palestra com o professor Nielson Bezerra sobre a importância do Rio de Janeiro na rota do comércio de negros escravizados. Assim que desembarcavam, passavam por uma triagem, na ilha cedida pelos jesuítas, a Ilha de Villegagnon, que ficou conhecida como o Degredo das Bexigas, onde separavam os negros doentes, os mortos, as mulheres, as crianças, os idosos. Após sobreviverem a captura e a longa jornada entre dois continentes, eram separados por um imenso  oceano, onde sua turbulência era sentida pelo lado de dentro das embarcações, a partir da violência, do açoite e dos assassinatos, eram levados para depósitos na Rua Direita ( atual 1° de março), e expostos para venda.
      Ao passarmos pelo Arco dos Teles, conhecemos um pouco mais sobre o processo de urbanização no entorno do que se tornou sede da coroa no Brasil. Com construções que funcionavam tanto como residências quanto estabelecimentos comerciais.
      Conhecemos a  atual Casa França Brasil, onde em meados do século XVIII servia como Alfândega, por onde passavam tanto mercadorias quanto escravos (com a proibição da comercialização de escravos, cabe a Baixada Fluminense, ou ao Recôncavo da Guanabara, principalmente Magé, ser incluída na rota do tráfico negreiro).
      Passamos também pela 4ª Paróquia da Cidade do Rio de Janeiro, a Igreja de Santa Rita de Cássia (1702-1719), onde ainda estão enterrados os restos mortais de seus idealizadores (Manuel nascente Pinto e sua esposa), cujo interior, também conta com representações de várias irmandades, inclusive irmandade de negros, ficando evidente que a religiosidade era utilizada para disciplinar os escravos, tornando-os mais receptivos a condição de servidão, que, por meio dela se alcançaria a liberdade da alma.
      Outro ponto visitado foi a Pedra do Sal, no bairro da Saúde, conhecido como "Berço do Samba" e do choro, era um local de trabalho árduo, mas também mantinha acesa a chama da cultura africana, que foi tombada em 20 de novembro de 1984 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural.
      Além da Pedra do Sal, o bairro da Saúde também conta com o Porto do Valongo, redescoberto nas obras do Porto Maravilha (em 1843 foi rebatizado como Porto da Imperatriz, em homenagem a Imperatriz D. Tereza Cristina). A princípio, pensava-se que o porto do Valongo teria recebido milhares de escravos, mas pesquisas recentes dão indícios que se tratava de um porto de policiamento, segundo o prof° Claudio Honorato.
      Por fim, conhecemos o Instituto dos Pretos Novos (Rua Pedro Ernesto 36), onde em janeiro de 1996, na ocasião de uma reforma numa residência, se redescobriu o que seria o cemitério dos pretos novos, negros cativos que não chegaram a ser escravizados e que foram prematuramente acolhidos pelos piedosos braços da morte. Esse sítio arqueológico guarda as ossadas de milhares de africanos, que anônimos serviram como alicerce de nossa cidade.
      Mais de 10 milhões de cativos, retirados brutalmente de seu continente natal entre 1500 e 1850, para serem escravizados até seus últimos suspiros, na América recém-descoberta, quase metade desse total desembarcou em terras tupiniquins. Com a descoberta do ouro e diamantes em Minas Gerais, o fluxo de escravos se intensificou no Rio de Janeiro. Cerca de 40% dos negros escravizados que chegavam ao Rio de Janeiro, sobreviviam no máximo 4 anos.
      Com a chegada da família real no Rio de Janeiro, em 1808 e com a abertura dos portos em 1815, a cidade passou por um salto populacional desordenado, que obrigou tanto o cemitério dos negros novos quanto o próprio comércio negreiro para a região do Valongo (Gamboa, Saúde e Santo Cristo), também conhecida como Pequena África, devido a grande concentração de africanos. Esse cemitério funcionou entre 1779 e 1830. A própria rua era conhecida como  Caminho do Cemitério, no início do século XVIII.
      Segundo relatos de viajantes do século XIX, o cemitério dos pretos novos se resumia a um enorme amontoado de cadáveres a céu aberto.

      Em resumo, esse roteiro histórico - arqueológico desvendado pelos professores citados logo no início desse relatório, nos faz perceber o centro do Rio de Janeiro com outro olhar, uma lente que nos revela uma cidade a beira mar, onde sua água salgada se mistura com o sangue e suor daqueles que foram capturados e trazidos como animais. Escravizados numa lógica onde seres humanos, se utilizando muitas vezes do discurso religioso, 
submetiam outros seres humanos á seus caprichos. 
O IPN ( Instituto dos pretos Novos está aberto a visitação, e essa oficina a céu aberto lhe proporcionará uma nova visão do centro do rio de Janeiro).

IPN, Oficinas gratuitas: http://pretosnovos.blogspot.com.br/ 

Nasce a Ciência Política


(Primeiros 4 capitulos)
      Impresso pela primeira vez em 1532 (cinco anos após sua morte), o livro “o Príncipe”, de Maquiavel é marcado por conter conceitos e princípios que iam contra os princípios morais e cristãos.
      O que podemos dizer sobre o autor, além de lhe atribuir à paternidade da ciência política e do conjunto de princípios que formam a política moderna, onde, segundo a adaptação popular “os fins justificam os meios”.
      Apesar de sua publicação só ter sido possível em 1532, cartas do autor à um amigo chamado Francesco Vettori, datadas de 10 de dezembro de 1513, já falava-se claramente que “De Principatios”, já havia sido escrito e que só lhes restavam alguns retoques.
      Quem batizou a obra com seu atual título, que atravessaria séculos e continentes foi seu primeiro editor, o romano Antônio Blado. O termo “Príncipe” atravessaria gerações, sendo apenas substituído, ao longo dos séculos, pelos títulos de líderes políticos, sempre sendo contemporâneo, descreve modelos de gestão estatal (Imperador, Rei, Presidente, Duque, Conde, Senhor Feudal...).
      Maquiavel acumula um currículo invejável para qualquer diplomata da atualidade. Foi Secretário de Estado de Florença (1499), Embaixador de Paz ou de tratados Políticos entre Estados Italianos (1499), Várias missões como Embaixador da Itália (1502), França (1504), Vaticano (1506), até se tornar Chanceler em Florença (1507).
      Após ser preso, acusado por complô, sofre torturas, mas é liberado graças à intervenção do papa Leão X (1513).
      O Livro foi dedicado pelo autor ao Lorenzo del Medici, Um estadista italiano, soberano de fato da República Florentina durante o Renascimento italiano. Em sua obra “Discorsi” (III, 42), a obra é mencionada como “Trattato de Príncipe” (Tratado sobre o Príncipe).  
      Niccoló Machiavelli, ou simplesmente Maquiavel, tem sua cadeira garantida na História da Humanidade por seus feitos, seus livros e por ser um dos percussores do Renascimento Florentino, ao lado de outro grande nome, Leonardo da Vinci, que além de contemporâneos, chegaram a se conhecer e trabalhar juntos quando Maquiavel exercia uma de suas missões diplomáticas, na corte do Duque Valentino quando era o segundo Chanceler da República de Florença, tese defendida pelo Professor Roger Másters, em alguns de seus livros ( Fortune is a river”, “Machiaveli, Leonardo and the Science of Power). (Da Vinci e Maquiavel: Heróis do renascimento, TROYJO Marcos, Vice Presidente da Editora JB. Postado em 11/08/2006 em aartereal.blogspot.com.br).
       Ambos defendiam o homem como foco central das relações sociais, políticas e econômicas, contrapondo a visão teocentrista defendida pelo clero.
      Em seu primeiro capítulo, ele enumera os tipos de principados e as formas de conquista-los. Fala sobre os estados governados sob a forma de República e Principados. Fala sobre a hereditariedade do principado, que pode ser governados por longas linhagens ou, no caso de territórios conquistados, se estabelece novas linhagens. 
      Os Principados hereditários são governados pela mesma família, ou linhagem, a várias gerações, enquanto os novos, ou são inteiramente recentes ou são anexados ao Estado hereditário do príncipe conquistador. Os estados assim conquistados estão acostumados a viver sob o poder de um príncipe, ou a existir como Estados Livres. A conquista pode ser estabelecida ou através do uso de força militar própria, da contratação de milícias, pela sorte ou pela virtude.
      O herdeiro deve ser legítimo, de seu casamento reconhecido pela igreja. O qual iria ser seu sucessor em caso de morte ou caso for governar outra província, ou ser convidado a ser ministro na corte etc. Indica três razões para se manter uma república ou um principado: Exercito, fortuna e virtudes. As guerras eram ferramentas para conquista e manutenção do poder, sendo suas armas pertencentes ao próprio senhor ou de aliados, que também teria interesse em outros principados e províncias. Através da fortuna, também poderiam se adquirir principados, através da compra com diamantes, pérolas, etc. Outra forma era através de suas virtudes e sapiências.
      No segundo capítulo, o autor se aprofunda da discussão sobre os principados hereditários. Cita que nos estados onde o principado é hereditário, basta seguir a forma de administração de seus antecessores, para que não haja dificuldades ao governar. Como o povo já está acostumado a ser governado por essa linhagem por muito tempo, é compreensível que tenham maior afeto por ele. Não tendo razões para conflitos desnecessários e onerosos. Mesmo que seu principado seja conquistado, se o príncipe for forte, pode reconquistá-lo.
      Cita o exemplo do Duque de Ferrara, na Itália, que resistiu à ataques Venezianos em 1484 e aos do Papa Júlio em 1510 devido ser um governante bastante antigo na regio.
      No terceiro capítulo, fala sobre os principados mistos. Enquanto nos principados hereditários segue uma longa linhagem, que favorece uma relação mais carismática com o povo. No principado misto, se tem príncipes novos, que se torna em membros anexados.
      O povo acaba mudando de senhor, aguardando melhorias em sua vida, mas, acabam se decepcionando. O novo príncipe, para reafirmar seu domínio, acaba por submeter seu povo a maus tratos. O que causa um transtorno político, já que é mau visto por aqueles que ele ofende, e, ao mesmo tempo, precisa do apoio de parte da corte, que, em troca de favores, declaram lealdade.
      Mesmo que o príncipe possua um exército muito poderoso, ele necessita do apoio de parte dos conquistados.  Recomenda que para conquistar, tanto a cultura, quanto a língua e até mesmo seus impostos sejam mantidos, o que facilita a conquista. Deve-se imediatamente eliminar a linhagem do seu antecessor, mas, deve manter sua forma de governo, para que a transição não seja tão súbita.
      Com a conquista do novo reino, o povo acaba investindo suas esperanças  no novo príncipe, inclusive ajudando o novo conquistador. Porém, a regra é se decepcionar com o novo gestor. Para reafirmar seu poder, acaba precisando manter uma força armada por anos, o que torna a conquista numa perda, no que se refere aos gastos.
      Se, por um lado, multiplicam-se seus inimigos, por outro, não pode confiar em seus aliados sem que atenda suas necessidades, com troca de favores e muita adulação. Frequentemente, o conquistador precisa enfrentar rebeliões, e acaba exagerando nas punições, para servirem de exemplo para inibir futuros levantes.
      O Novo príncipe precisa extinguir a linhagem de seu antecessor, mas devem-se manter suas instituições e impostos.
      O autor recomenda ainda que o novo príncipe deve fixar moradia nas terras anexadas, para que de perto, possa conhecer seu povo e desestimular planos de insurreições. Além disso, recomenda-se que se estabeleçam colônias nas terras vizinhas. As colônias não são tão dispendiosas para o príncipe, elas podem ser mantidas com pouco ou nenhum custo, mas gera perdas de propriedades dos antigos moradores para dar lugar aos novos colonos. Essa minoria expulsa e empobrecida, não causará nenhum mal ao líder e as maiorias que permanecerão em suas residências não se levantarão, para que também não percam suas propriedades.
      O príncipe precisa ser uma figura protetora para as províncias vizinhas e mais fracas, e, não pode permitir nem que outras províncias se fortaleçam, nem que estrangeiros poderosos tomem seu lugar.
       Cita como um exemplo a não ser seguido, o Rei Luiz da França, que cometera vários erros graves que o levou ao declínio (1) Eliminou os menos poderosos; 2) Aumentou o poder de uma única instituição (a Igreja); 3) Colocou em suas terras um estrangeiro poderosíssimo; 4) Não fixou moradia; 5) Não estabeleceu colônias).
      Já no quarto capítulo, avalia o porquê do reino de Dario, que mesmo ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após sua morte. Fala sobre a descentralização de poder, onde transformou antigos súditos de Dario em príncipes e Barões, que, ganharam terras e conservavam a forma de governo do soberano. Cada barão governava seu próprio Estado, com seus próprios súditos. Conquistar não é apenas o fato de vencer uma guerra, o governante precisa de virtude, para entender a diversidade estrutural do povo e do objeto da conquista.
      Se refletirmos sobre as dificuldades em se preservar um Estado recentemente conquistado, parece incrível que depois da rápida conquista de toda a Ásia por Alexandre, O Grande, e sua morte subsequente, que supostamente deveria provocar revoltas em toda região, ainda assim, foi mantida pelo poder de seus sucessores. Eles não encontram outras dificuldades, a não ser as que foram provocadas por eles mesmos por ambição.
       Podemos concluir que o autor, como já havia acumulado uma larga experiência ao serviço público, começa a elaborar suas próprias teses de como o governante deve atuar em várias situações diferentes, elaborando um minucioso “manual do líder”, com conceitos, dicas e conselhos válidos para aqueles que desejam chegar ao poder e de como se manter esse poder. Recomendações utilizadas até hoje, que servem de base para o que conhecemos como política moderna. 

SEGREGAÇÃO JUDAICA.

    

  O filme “O Mercador de Veneza”, de 2004, é baseado na obra homônima de William Shakespeare, que teria sido escrito entre 1596 e 1598 (século XVI), no entanto, alguns elementos do texto, como a morte de um mercador devido ao não pagamento de uma dívida, o teste que os pretendentes de uma donzela eram submetidos para conquistarem o direito de cortejá-la, a libra de carne como pagamento de uma dívida, um anel como pagamento a um jurista por seus serviços  estão presentes também no conto “II Pecorone”, do autor italiano Giovanni Fiorentino, publicado em Milão, em 1558. O próprio julgamento é encontrado na peça “O Orador”, de Alexandre Syluane, publicada em 1596.
      Além dos romances e da atuação jurídica, o texto expõe a intensa segregação que os cristãos submetiam aos judeus, colocando-os como cidadãos de segunda classe, ou pior. Os cristãos tratavam os judeus com intolerância e ódio, os submetiam a morarem na periferia das cidades, nos guetos, e usarem um bojo vermelho para os identificarem enquanto judeus. Temas como intolerância, amor, ódio, usura (empréstimo a juros), vingança e amizade estão fortemente presentes no texto.
      Ambientado no século XVI, os personagens vivem suas aventuras e conflitos. O mercador Antônio (Jeremy Rons) é um rico comerciante cristão, mas toda sua fortuna está empregada nas navegações em busca por mais riquezas. Ele é procurado por seu amigo Bassânio (Joseph Fiennes) que lhe pede um empréstimo, para que possa cortejar a desejada e rica herdeira de Belmont, Pórtia (Lynn Collins), que submetia seus pretendentes ao teste do baú, que só se casaria com aquele que escolhesse o baú que guardava sua imagem.
      Antônio, não se encontrando em condições financeiras favoráveis para atender ao amigo, recorre ao judeu Shylock (Al Paccino), que sendo uma vítima, junto com os demais judeus, da intolerância e ódio dos cristãos, empresta-lhe três mil ducados, sem cobrar nenhum ágio, apenas, que como pagamento de multa, caso seu pagamento não fosse efetuado, de um pedaço de sua própria carne ( uma libra de carne).
      O ápice dessa obra é o julgamento que define o cumprimento do contrato. Pórtia, disfarçada do jurista Baltazar, lhe concede o ganho de causa, mas exige que na retirada da libra exata de carne, não seja derramada uma só gota de sangue, pois o contrato é claro, e lhe concede apenas a carne, não o sangue. O que acaba por pôr o judeu numa cilada jurídica.
      A reviravolta judicial, não para com a perda da ação pelo judeu e em salvar a vida do mercador, vai além. O Estado confisca metade dos bens do judeu e declara o mercador como guardião legal da outra metade, até a morte do judeu, após isso, seria dado a sua foragida filha Jéssica ( Zuleikh Robinson) e seu esposo Lourenço ( Charlie Cox), e , por fim, a conversão ao cristianismo, que lhe pouparia a vida, o que poderia ser avaliada por uma plateia antissemita como um “final feliz”.
      O texto, considerado antissemita por muitos pesquisadores, sempre trouxe o personagem do judeu como um vilão rancoroso e bastante caricaturado. Essa obra serviu como ferramenta para reforçar o antissemitismo inglês do período Elizabetano, já que os judeus ingleses haviam sido expulsos no período medieval. Os judeus eram explorados nas peças teatrais e obras literárias, como inimigos públicos, descritos como avarentos, usando perucas vermelhas (uma alusão ao chapéu vermelho que identificava os judeus). A obra de Chistopler Marlowe, por exemplo, “O Judeu de malta”, que falava sobre o judeu Barrabás, um personagem vil e ganancioso, porém, o mais rico e prospero habitante da ilha de Malta.
      No século XVI, os judeus viviam nos guetos, identificados com um chapéu vermelho. Para a plateia inglesa cristã e antissemita, a edição de 1619 foi batizada como “Com a Extrema Crueldade de Shylock, o Judeu”. O nazismo também se utilizou desse texto para propagar o ódio contra os judeus.
      O cristianismo, que prega o amor em suas sagradas escrituras, parece não ter a mesma capacidade para exercer o amor e a tolerância para com aqueles que não compartilham suas crenças. O respeito à crença do outro não seria um exemplo a ser dado para que o outro também respeite a nossa?
      Concluo esse trabalho com a fala de Shylock, que a meu ver, é um apelo pela tolerância e respeito entre os diferentes, que não é tão diferente quanto pensa.

Os judeus não tem olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos ás mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetarmos, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofendermos, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. Se um judeu ofende a um cristão, qual é a humildade deste? Vingança. Se um cristão ofende a um judeu, qual deve ser a paciência deste, de acordo com o exemplo do cristão? Ora, vingança. Hei de por em prática a maldade que me ensinastes, sendo de censurar se eu não fizer melhor do que a encomenda.” (Ato III, Cena I).